Foi em um caloroso sábado que eu e a fotógrafa profissional Jakeline Zaiden subimos até o 13° andar do edifício Cuiabá Office Tower para bater um papo com Rafaella Ferreira da Silva Rondon, empreendedora do mundo dos games,  ramo que vêm crescendo cada vez mais em todo o globo, rivalizando com poderosas indústrias como a do cinema e da música.

No primeiro artigo do projeto PESSOAS, Rafaella nos contará sua trajetória até conceber o Bazar Nerd BR, loja de games especializada em produtos Nerd, que vai desde jogos eletrônicos (novos e retrô), produtos dos universos DC e Marvel, além de itens voltados para o mundo do cinema, que vai de Harry Potter à Game of Thrones.

Porém a rota não foi fácil. Sendo uma mulher empreendedora em um mundo predominado por conceitos machistas e ainda ser uma gamer e homossexual não é fácil, e ela está aqui para nos contar o porque. Prepare-se para embarcar em um assunto muito cabeça sobre games, empreendedorismo, homossexualidade e feminismo.


Rafaella Random Bazar Nerd BR

Perfil da pessoa Rafaella:

  • Nome: Rafaella Ferreira da Silva Rondon
  • Data de nascimento: 23/09/1989
  • Formação: Ensino superior incompleto (medicina, jornalismo, direito, publicidade, serviços sociais e letras)
  • Profissão: Empresária de games e produtos NERD
  • Gosta do seu café com: açúcar!
  • Saga de jogos favorita: Assassin’s Creed

 

 


Bazar Nerd BR – Empreendedorismo feminino

Café com Leitura: Quando você começou a elaborar a ideia do Bazar Nerd BR?
Rafella: Quando eu morava em Macaé, no Rio de Janeiro, eu trabalhava em uma empresa de Vídeo Games como gerente de garantia, RMA e corporativo e gostei muito deste ramo. Lá conheci muita gente da área e inclusive distribuidores. Nós vendíamos muito para empresas offshore, colocando esses produtos (games) nas embarcações, que era a forma dos funcionários terem lazer, e acabei me envolvendo ainda mais com este público. Eu ficava pensando: quando eu puder eu vou abrir um negócio neste segmento porque é uma área que eu gosto bastante, e eu acho que quando a gente gosta, a coisa flui com mais facilidade.

Café com Leitura: E por quanto tempo você foi alimentando esta ideia?
Rafaella: Foi de 2016 para cá, mas onde comecei a pensar mesmo em vender (produtos gamer e nerd) foi no ano passado (2019). Eu sempre tive muita dificuldade em definir o que fazer com minha vida profissional, tanto que é só notar a quantidade de faculdades que comecei a fazer (ver a formação na sessão perfil). Eu sempre tive muita vaidade intelectual, até mesmo porque quase todo mundo da minha família é formado a ponto de ter mestrado, doutorado, etc… e é difícil você não ficar se sentindo um “saco de bosta” por não ter uma graduação…

Rafaella Random Bazar Nerd BR produtos nerd e games
O Bazar Nerd BR tem tudo o que o público nerd ama: desde jogos eletrônicos à canecas e action figures.

Café com Leitura: … havia também uma certa pressão da família devido a este fator?
Rafella: Não, assim, a minha mãe, eu sempre digo que é a melhor mãe do mundo, porque ela sempre me criou com muita liberdade, para tudo. Liberdade religiosa, liberdade sexual, liberdade para eu escolher o que eu queria fazer da vida. Ela só pediu que eu tivesse algo que fosse meu e que fizesse algo que me fizesse bem e feliz. Mas sim, ela tinha um certo “que” para a graduação por vir de uma família que acredita no academicismo. A gente sempre conversou sobre tudo devido a esta liberdade, inclusive sobre o mito que há atrás do diploma. Porque as pessoas antigamente nos programavam assim: você vai ganhar o diploma e Páh, tá empregado, e a gente sabe que não é bem assim. (risos)

Infância, homossexualidade e games

Rafaella nasceu em uma família acadêmica onde teve mais contato com os membros do lado materno da sua família. Os integrantes do seu núcleo familiar, apesar de possuírem cultura patriarcal e elitista, têm crenças religiosas diferentes, o que possibilitou um diálogo maior sobre assuntos como religião, orientação sexual e carreira. Vamos conhecer um pouquinho da sua infância e o primeiro contato com os games.

Café com Leitura: Você nasceu aqui em Cuiabá mesmo?
Rafaella: Sim, sou Cuiabana e estudei minha vida inteira em colégio público. Fiz o ensino fundamental no Ferreira Mendes e o médio no Nilo Póvoas.

Bazar Nerd BR também negocia jogos usados

Café com Leitura: Qual foi o seu primeiro contato com os games?
Rafella: Eu tinha 8 anos quando eu comecei a jogar.  Na época eu conheci uma casa de games que havia no Boa Esperança, que a dona, inclusive, era uma mulher. Eu morava com minha Vó, naquele tempo, e via a loja toda vez que ia para a escola (Ferreira Mendes) e um dia resolvi entrar lá, pequeninha ainda, um projetinho de pessoa. Foi quando joguei meu primeiro game eletrônico: Sonic.
Já o primeiro vídeo game que eu ganhei foi o Dynavision, que vinha o jogo de tiro do patinho e mais 100 games dentro da memória. Nessa época eu deveria ter, sei lá, entre 11 ou 12 anos.

Café com Leitura: Você já sofreu algum tipo de preconceito no mundo dos games por ser homossexual?
Rafella: Não, porém já sofri por ser mulher.

Rafaella Random Bazar Nerd BR jogos retrô
Além de contar com jogos, acessórios e aparelhos de vídeo game de última geração, o Bazar Nerd BR também comercializa produtos de games retrô.

Café com Leitura: Você acredita que homossexualidade é uma escolha?
Rafella: Eu não acredito que as pessoas escolham ser homossexuais, acredito que elas nasçam assim. Vou dar o exemplo do meu caso: eu não gostaria de passar na rua, por exemplo, e ver as pessoas fazendo aquela famosa cara feia, de desaprovação, ou até mesmo de desejo, no caso do homem heterossexual, quando eu passo de mão dada com minha linda esposa. Se fosse para escolher, eu escolheria o caminho mais fácil,  que é ser hétero, assim evitando esses transtornos. No meu caso seria até mais fácil pra ter tido aprovação da família logo no início, ou até  da sociedade. Também não teria dificuldade para ter filhos, que é um sonho que eu tenho.

Café com Leitura: Você acredita que muitas pessoas sejam infelizes durante toda a vida por não admitirem ser homossexuais e entrarem em relações heterossexuais somente para não sofrer pressão da sociedade (incluindo a família)?
Rafella: Com certeza. Tenho certeza que você conhece pessoas que se dizem heterossexuais porém são tremendamente infelizes por serem homossexuais não assumidos.

Café com Leitura: Você acredita que durante os governos do PSDB e do PT houveram mais diálogos em relação a pauta homossexual do que no governo ultraconservador atual?
Rafella: Sim, porém as grandes conquistas que obtivemos foi através do STF. O governo anterior (PT) era mais aberto ao diálogo, porém por ser populista não conservador, e não por defender a pauta em si. Grande parte das conquistas vieram através da luta e sugestão dos movimentos que levaram a pauta aos governantes e não foi uma iniciativa dos governos psdbista e petista em si. O Bolsonaro também é populista, porém ultraconservador, por isso o diálogo em relação a homossexualidade é mais difícil. O medo em relação a este governo é que além de ser menos aberto ao diálogo, também prega a remoção das conquistas obtidas até aqui.
Eu e minha esposa inclusive ficamos com medo, pois muitos dos nossos amigos advogados, quando Bolsonaro venceu a eleição, nos informavam para casar rápido, porque o casamento homoafetivo poderia estar correndo risco.

Rafaella Random Bazar Nerd BR escritório
Rafaella em seu escritório comercial, o Bazar Nerd BR

Mulheres, games e feminismo

Café com Leitura: Já sofreu algum tipo de bullying por ser mulher e jogar games?
Rafella: Olha, na minha época, principalmente em jogos online, a mulher era massacrada. Por isso muitas vezes a gente se escondia por trás de um pseudônimo. Por me chamar Rafaella sempre uso Rafa (onde o nome fica ambíguo)…

Café com Leitura: … te tratavam diferente por ser mulher?
Rafella: Claro, se você faz uma cagada em um jogo (mulher) e se um cara faz uma também, a diferença na brincadeira é visível. Falam “É… mulher jogando vídeo game… vai lavar uma louça! Vai pro tanque!

Café com Leitura: Acontece também de quererem te ajudar, por ser mulher, no sentido de que você não conseguiria fazer alguma ação no jogo sozinha?
Rafella: Sim, e não só nos jogos, acontece até mesmo no empreendedorismo. Esses tempos aqui veio um cliente de retrô gamer olhar fitas de Super Nintendo, daí ele começou a falar sobre fitas paralelas, e começou a querer dar uma aula, não no sentido de passar algum fornecedor, mas como se quisesse ensinar “os meios” de fazer o meu serviço. No final, tive que informá-lo que trabalho há um certo tempo com isso, e que tenho fornecedores dos Estados Unidos, que é mais vantajoso para meu negócio.

Comparação de números de protagonistas homens e mulheres ao longo dos anos da E3, maior evento de jogos eletrônicos dos Estados Unidos. Fonte Wired, estudo Feminist Frequency

Café com Leitura: Segundo o estudo (exibido acima) pela frequência feminista dos Estados Unidos, jogos com protagonistas mulheres são muito menores do que homens, e esse número vem piorando a cada ano. Por anos mulheres que jogam vídeo games devem enxergar o mundo do jogo nos olhos e ações de personagens masculinos, quanto que o inverso são poucos casos (como Tomb Raider ou Metroid). Você acredita que teríamos um ambiente mais saudável se houvessem maior quantidade de protagonistas mulheres nos games?
Rafella: Acredito que o que falta mesmo, nesse sentido, é oportunidade e investimento nas mulheres, em todos os segmentos artísticos. Tem até um discurso da Meryl Streep (se não me engano) que ao receber um prêmio ela fala “Por favor, invistam em mulheres. Diretoras, escritoras, etc…”. A indústria tem que abrir o mercado para as mulheres.

Rafaella Random Bazar Nerd BR Vinicius
Rafella dando entrevista para o Projeto Pessoas

Café com Leitura: Em uma entrevista para o Podcast Hipsters, a gerente de marketing da Google Play da América latina Maia Mau informou que, segundo o último estudo (2019) da Game Brasil, 60% das jogadoras no Brasil são mulheres (somando todas as plataformas como celulares e vídeo games), no entanto só 15% delas trabalham nesta área (talvez até menos, já que os 15% são referente às mulheres que cursam exatas no setor de tecnologia no Brasil). Você acredita que, em relação a pergunta anterior, este número pequeno de profissionais afeta a quantidade e a qualidade das protagonistas representadas nos games?
Rafella: Sim, além dos problemas já encontrados como preconceito e oportunidade nestes cursos, falta também elas (as mulheres) perceberem que podem e têm capacidade para seguir estas carreiras. Tem até um programa aqui em Cuiabá, chamado Meninas Digitais do IFMT onde maioria delas é formada em sistema da informação ou ciência da computação. A mulher precisa entender que ela também pode ir para este mercado, pois ela pode produzir, chefiar, dirigir e realizar tantas outras atividades atreladas a esse mercado com maestria.

Se estiver passando por Cuiabá não esqueça de passar no Bazar Nerd BR para adquirir aquele jogo tão esperando com essas duas empreendedoras que são fera em game e enfrentaram muitos desafios para chegar onde chegaram!

 

Por

Escritor, crítico e redator aficionado por livros e jogos eletrônicos. Conhecido como Veritas Volpe no ambiente artístico e literário.

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