Escritor: Ulisses Campbell
Editora: Matrix
Ano: 2020 (Brasil)

Ultimamente tenho lido muito conteúdo referente a assassinos famosos e serial killers. Comecei com O Teste do Psicopata por Jon Ronson, depois passei para Por que crianças matam – A história de Mary Bell, que fala sobre o caso de uma das serial killers mais jovens do mundo e finalizei Mindhunter, que fala sobre a construção do perfil de um serial killer através de dados estatísticos, criado no departamento de ciência comportamental do FBI e que foi tema da famosa série Mindhunter do Netflix.

Ia começar a ler Zodíaco, no entanto pensei em ler um livro nacional referente ao assunto, e foi assim que iniciei a leitura de Suzane – Assassina e Manipuladora.

Pois é, o título já é um tanto direto e antes de começar a leitura isso já me forneceu uma pista de como seria o livro escrito pelo jornalista Ulisses Campbell. No entanto deixarei minha opinião para o final deste artigo.

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Ulisses Campbell, jornalista paraense e autor da biografia não autorizada de Suzane von Richthofen.

Suzane, uma história que o Brasil não vai se esquecer tão cedo.

Eu tinha 18 anos (em 2002) quando o crime aconteceu, e mesmo não me interessando nada pelo assunto, lembro como era comentado e aparecia a todo momento nos grandes telejornais.

O crime bárbaro já é horripilante só de ouvir, mas conhecendo em detalhes se torna ainda mais aterrorizante. Antes de dar os detalhes do hediondo crime, Ulisses primeiro narra como foi planejado o assassinato, porém os detalhes do crime ainda aparecem no início do livro. Após o sangrento assassinato o livro passa para os detalhes de como Suzane e Daniel (um dos irmãos Cravinhos, que participaram do crime) se conheceram e começaram a namorar.

É inacreditável como o casal parecia normal antes de cometerem o crime junto de Cristian, irmão mais velho de Daniel. Suzane, ainda jovem, aproveitava de sua beleza para tentar se relacionar com garotos ao seu nível de beleza e Daniel, jovem e tímido, não sabia como se aproximar da menina que acabou se apaixonando quando ainda montava aeromodelos no parque Ibirapuera, em São Paulo.

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Foto da família von Richthofen. Da esquerda para direita: Suzane, Andreas (irmão), Marísia (Mãe) e Manfred (pai).

Era uma situação tão comum o relacionamento dos dois que parecia mais um daqueles casos entre garotos e garotas do ensino médio. A falta de maturidade e o uso de drogas (apesar de não ser em completo excesso) é a única explicação para o nascimento do amor doentio entre Daniel e Suzane, e mesmo assim não explica a crueldade e muito menos o crime em si.

Classe média brasileira – um exemplo de hipocrisia

Os detalhes do brutal crime de como os pais de Suzane, Marísia e Manfred von Richthofen, foram mortos a pauladas pelos irmãos cravinhos é uma imagem que vai demorar para sair da minha cabeça, então já aviso, se tiver estômago fraco, se afaste deste livro, ou ao menos deste capítulo.

Parece um pouco irônico que os pais da família que se orgulhava do distante parentesco com o Barão Vermelho, um piloto alemão que abateu inúmeros aviões durante a 1ª Guerra Mundial, terem morrido de forma tão grotesca. Manfred também foi acusado (sem provas definitivas) de corrupção na construção do Rodoanel de São Paulo.

Segundo o autor, há um possível e distante parentesco da família com o maior piloto da 1ª Guerra Mundial, Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen, o famoso Barão Vermelho.

A segunda metade do livro, no entanto, se torna um tanto maçante, onde é descrito com detalhes a vida na prisão, tanto de Suzane quanto dos irmãos Cravinhos. Ficamos sabendo o exato momento onde Daniel e Suzane romperam o namoro, quando a parricida começa a demonstrar sua astúcia para tentar convencer Daniel a incriminar a si mesmo e ao seu irmão (Cristian) e inocentá-la do crime. Não deu certo. Não só Daniel, mas até mesmo o irmão Andreas cortaria laços com a irmã.

Na cadeia, a parricida faz amizade e namorou presidiárias com históricos de crime tão hediondos quanto o seu, e o mesmo vale para Cristian, que também passou a ter relações homoafetivas com um criminoso.

Mesmo sendo uma leitura cansativa na segunda metade, reconheço o trabalho do autor por não ter deixado somente a imagem de Suzane como autora do crime por ser manipuladora. Daniel e Cristian não são mencionados como vítimas de manipulação por Suzane, mas sim de criminosos frios assim como a parricida.

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Os irmãos Cravinhos ao serem presos. À esquerda Cristian e à direita Daniel, namorado da parricida.

Uma sociedade doentia, dentro e fora da cadeia

O que mais me impressionou no livro não foi o crime em si (e olha que o crime é grande!), mas como advogados e profissionais do setor prisional tentaram dar garantias para Suzane em troca de relacionamento ou sexo rápido. Isso mostra que não é só Suzane a doente, mas toda essa classe média que ela e sua família estavam inseridas. A quantidade de cartas de amor que Suzane recebeu foram inúmeras quando esteve na cadeia.

Suzane é o que qualquer um já sabe: calculista. Concordo com o jornalista quando ele fala que Suzane não possui sentimentos e tudo o que faz é por proveito próprio. Não consegue se relacionar com outras pessoas por bem alheio ou auxílio a qualquer um que seja próximo. Pensa somente em si mesma, e faz questão de descartar os outros assim que perdem a utilidade para ela.



A biografia de Suzane é somente uma biografia ou agrega algum valor social?

Como informei nos parágrafos acima, o livro demonstra que a sociedade média e média alta economicamente do Brasil, que tanto querem resgatar os valore da “família de bem” como pudemos ver nas últimas eleições de 2018, são quem, ao que tudo indica, é a grande maioria com valores deturpados, seja consciente ou inconscientemente.

Um exemplo é este próprio livro:

  • em O teste do psicopata, o jornalista Jon Ronson tenta mostrar as inconsistências do teste criado por Robert Hare para tachar alguma pessoa de insana;
  • em Por que crianças matam – a história de Mary Bell, Gitta Sereny demonstra a ingenuidade do sistema de justiça inglês em condenar como se fosse um adulto uma criança que não conhecia as dimensões dos atos que havia cometido. A justiça não conhecia nem o passado de violência sexual que a jovem serial killer sofria;
  • em MindHunter por John Douglas, é explicado como o departamento de ciência comportamental do FBI criou, a partir de dados estatísticos, poderosos métodos para pegar criminosos e o quanto o tempo de prisão e as avaliações psicológicas não são efetivas para fazer um criminoso convicto voltar a sociedade (e olha que o autor é altamente conservador e a favor da pena de morte).

Em Suzane, Ulisses provou ser só mais um jornalista que busca fama a qualquer custo. Apresentou a história da imatura garota com uma família que não soube lidar com o namoro da filha e que ocasionou em um dos crimes mais hediondos do país somente para reforçar aquilo que todo brasileiro classe média alta quer ouvir: “bandido bom é bandido morto”, “as leis do Brasil são brandas”, “Político é tudo ladrão”, etc… uma pena que, diferente dos outros autores mencionados acima, esse bom escritor e péssimo moralista escolheu o sensacionalismo ao invés de uma mensagem construtiva para passar a sociedade.

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Enterro dos pais de Suzane. Na foto, Suzane e seu irmão mais novo, Andreas.

É incrível como crimes hediondos como este ocorrem no âmbito da classe média brasileira que, diferente dos menos favorecidos economicamente, possuem acessos e recursos para se criar um lar harmonioso. Talvez esteja na hora de parar de culpar o “pobre” por todos os problemas do Brasil e começarem a se olhar no espelho.

Ulisses é profissional competente, como a ampla pesquisa e fontes para a criação da biografia não autorizada provou. No entanto, nos valores, ao menos no livro, pecou. Não sei em que patamar econômico se encontra o jornalista, mas se estiver entre a classe média bolsonarista não ficaria nem um pouco surpreso. Se for o contrário, alguma coisa saiu terrivelmente errado durante a criação deste livro e não foi o conteúdo, mas sim a mensagem.

Por

Escritor, crítico e redator aficionado por livros e jogos eletrônicos. Conhecido como Veritas Volpe no ambiente artístico e literário.

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