Título Original: Il formaggio e i verni: Il cosmo di un mugnaio del ‘500 (italiano)
Escritor: Carlo Ginzburg
Tradução: Maria Betânia Amoroso
Editora: Companhia de Bolso
Ano: 1976 (Mundo), 2006 (Brasil)
É possível existir liberdade religiosa em tempos de inquisição? Ou melhor, seria o medo da Inquisição o suficiente para calar o verdadeiro pensamento religioso de um único indivíduo? Esta é a premissa de um livro na qual ganhei de presente, e só fiquei sabendo de sua importância histórica depois que um amigo historiador me falou sobre O Queijo e os Vermes.
A idade medieval e a inquisição são gravados no imaginário popular e vemos com certa recorrência em filmes e outras obras de ficção a tão popular Idade das Trevas. No entanto, poucos conhecem os dados levantados e estudados dessa era tão negativa da humanidade.
Um perfeito exemplo de estudo e comportamento social da época inquisitorial é o renomado O Queijo e os Vermes, do autor italiano Carlo Ginzburg, o proponente dos estudos de micro-história e um dos nomes mais importantes do assunto.
Tanto que segundo o historiador católico norte Americano Richard Tristano, o Queijo e os Vermes “é provavelmente a obra mais popular e de leitura abrangente de micro-história no mundo.”
O que é micro-história?
A micro-história é um modelo de estudo criado pelo autor do livro O queijo e os Vermes (Ginzburg) e Giovanni Levi, onde o objetivo é a realização de uma pesquisa com uso exaustivo de fontes históricas, focadas geralmente em indivíduos anônimos e que centra o estudo em comunidades específicas ou limitadas a um alcance geográfico ou social.
A melhor maneira de descrever a micro-história é tentativa de separar o contexto literário, focando em narrativas históricas. A grande discussão que demonstra a importância da micro-história é que geralmente vemos o mundo (antigo) através dos olhos das classes dominantes, que possuíam acesso a cultura, ao estudo (sabiam ler e escrever) e dinheiro o suficiente para publicar suas obras.
Este fato pode trazer distorções quanto ao entendimento das classes inferiores já que escritores de classe mais privilegiada também se tornam um observador de fora, pois não faziam parte da mesma sociedade (baixa) na qual descrevem em suas obras.
A história de um moleiro italiano
Ginzburg é destes autores que possuem a habilidade de escrita como a de Laurentino Gomes: não importa o quão técnico seja a pesquisa histórica, ele sabe construir uma narrativa gostosa de ler e de fácil compreensão.
E aqui temos a narração de um personagem histórico real, que foi interrogado, ao longo de sua vida e por diversas vezes, pela inquisição. Seu nome é Domenico Scandella, também conhecido como Menocchio, um moedor de cereais (profissão conhecida como moleiro na época medieval).
Menocchio, no entanto, segundo a exaustiva pesquisa de Ginzburg, não era um moleiro comum. A classe econômica na qual Menocchio fazia parte lhe dera pouco acesso aos livros, mas o pouco que conseguiu ler fez com que criasse um próprio conceito sobre religião, Deus e a criação do mundo, ou seja, sua própria cosmologia (segundo Ginzburg) durante uma época em que ir contra as ideias da igreja católica poderia ser sinônimo de morte.
Diferente de outras pessoas de sua comunidade que tiveram a sorte de ter algum acesso a livros, Menocchio não conseguia manter suas ideias somente dentro da sua cabeça. Sua vontade de querer ser escutado por pessoas cultas foi mais forte que o medo, mesmo tendo escapado uma vez da morte certa pela inquisição.
O Queijo e os Vermes ocorre na comunidade do Friuli, na Itália
Os inúmeros documentos pesquisados por Ginzburg fazem de O Queijo e os Vermes um conto não somente ligado a Menocchio, mas a muitos outros personagens da região italiana do Friuli.
Aqui conhecemos não só a relação de Menocchio com seus filhos e esposa, como também temos relatos das conversas do padre da paróquia do Friuli com a inquisição, os amigos e nobres que tiveram algum contato com o protagonista do livro e entre algumas das maiores figuras da própria inquisição.
O interessante de trazer o relato de diversos personagens é que acabamos tendo um visão mais ampla de como a sociedade das classes mais baixas viviam nesta região da Itália. Porém devemos tomar cuidado, pois mesmo sendo relatos inquisitoriais, ainda estamos falando de um documento escrito por uma classe dominante.
Que fim levou Menocchio
Sendo um livro que trata da inquisição, é necessário ter um conhecimento prévio das crenças cristãs (bem básico) e conhecer um pouco da burocracia e sistema político católico da época, apesar de Ginzburg explicar estas questões de maneira simplificada quando comenta algo relacionado a política da época.
No entanto o livro tem foco na história de Menocchio, e a questão levantada é o quanto, mesmo forçando uma religião nas pessoas, pode realmente um indivíduo segurar somente para si aquilo que ele acredita.
Em determinada altura, Ginzburg da entender que Menocchio desistia até mesmo de mentir para a inquisição (com o objetivo de sair com vida do interrogatório) porque acreditava que os inquisidores eram um publico “culto” para entenderem e discutirem sobre suas ideias religiosas e sobre sua cosmologia, como exibem alguns trechos do diálogo entre Menocchio e o Inquisidor.
Este livro é uma importante obra histórica que, mesmo em torno de assuntos religiosos, podem atrair amantes e estudiosos da idade medieval e do tempo inquisitorial, mesmo não sendo cristãos. Este livro também ressalta a importância de nos tempos atuais termos um estado laico, dando a qualquer indivíduo a liberdade religiosa.