Escritor: Fernando Morais
Distribuidora: Companhia das Letras
Ano: 2000 (Brasil)
Ser jornalista e ter seus livros traduzidos em 18 países não é brincadeira. Fernando Morais é uma referência de peso, porém de longe podemos reconhecê-lo somente como jornalista. Seu dom para a escrita possui poucos rivais em nosso país, principalmente quando escreve obras investigativas.
Corações Sujos é muito mais que um acumulado de fatos e entrevistas de um episódio brutal ocorrido no Brasil durante e pós final da segunda grande guerra. É antes uma investigação sincera, sem lados ou preconceitos. É, sem sombra de dúvidas, um importante registro histórico brasileiro e, por que não, japonês.
Corações sujos narra acontecimentos através de diversos personagens
Personagens reais, entre brasileiros e japoneses, têm sua vida contada nesta obra. Ocorrido durante a segunda guerra mundial, que na época, lá no país nipônico, o imperador Hiroito comandava, enviará através de agências 200,000 japoneses para conseguirem emprego em terras brasileiras.
E, como informa Morais, abandonados a própria sorte, em um país de língua e hábitos (principalmente alimentares) completamente diferentes.
E foi nessa confusão, entre dois povos completamente distintos, que o Japão perdeu a guerra. E tanto o Brasil, que na época também não era flor que se cheirasse, quanto o Japão, sofreriam as consequências.
Com o fanatismo religioso japonês, que acreditavam que seu exército era invencível e que seu imperador (aquele tal de Hiroito) fosse um Deus, os completamente fiéis ao imperador em terras brasileiras começariam a forjar notícias como se o Japão tivesse vencido a guerra.
Os japoneses que conseguiram emprego no Brasil, ter uma família, se misturar à sociedade brasileira iam pagar caro; alguns com a própria vida. E os brasileiros também.
Nasce um grupo terrorista no Brasil, a Shindo Renmei
A Shindo Renmei (Kanji: 臣道連盟 que significa algo próximo de “Liga do Caminho dos Súditos” em idioma japonês) nasceu com crença inabalável em seu imperador, causando um verdadeiro inferno para japoneses e brasileiros no país do carnaval.
Falsificavam notícias de jornais, inventavam artigos e criavam grupos enormes para convencer os japoneses que vivam no Brasil com uma verdadeira lavagem cerebral, informando que o Japão havia vencido a guerra. E, em suas cabeças, acreditavam que haviam vencido mesmo.
O japonês que não acreditasse na vitória do Japão e se associasse aos brasileiros não passava de um Makegumi… ou seja, um Coração Sujo que deveria morrer.
Isso afetou tão negativamente a vida dos japoneses e suas famílias que buscaram trabalhos honestos no Brasil que, além de temerem a organização terrorista (que vitimou 23pessoas e feriu outras e 147 em seus 13 meses de atuação), ainda agravou o preconceito já presente nos brasileiros em relação ao povo japonês, principalmente quando a guerra foi deflagada e ambos os povos ficaram de lados opostos.
Um drama jornalístico forte graças a uma narrativa intuitiva e inteligente
Sim, o livro é excelente. Morais possui um poder de prender o leitor na narrativa sem igual. 1808 chega atrasado em relação a narrar uma história verídica de maneira não acadêmica, e mesmo assim não chega à maestria do autor de Corações Sujos.
É de apertar o coração ler este triste episódio que impactou nosso país. Não conseguimos amar os personagens brasileiros e japoneses, mas também não conseguimos odiá-los.
Além disso, muitas das fontes que possuem imagem desta investigação jornalistica se encontram nas páginas deste livro, transformando a leitura em uma experiência ainda mais humana, ao invés de completamente técnica.
Esse fato é importante, pois quando somos abarrotado somente com palavras em cima de uma investigação com tantos antagonistas, somos levados a criar sentimento guiados somente pela razão. Com imagens, locais… rostos… tudo fica mais humano. Não existe mais preto e branco, somente uma espessa camada de cinza onde vilões e heróis se confundem a todo momento.
A importância do livro Corações Sujos para o futuro
A desinformação é um perigo. Torcer para o seu país a ponto de acreditar que ele venceu algo, mesmo tendo perdido, é sair das concepções da realidade. É vivenciar algo inexistente, somente na sua cabeça.
A falta de crença no intrínseco, nos dados estudados, nas informações pesquisadas à finco, era comum até mesmo antes dos fanáticos da Shindo Renmei. Porém permanece atual nos discursos ignorantes e sem mensura do presidente atual do Brasil (na data deste artigo, Bolsonaro), que não percebe o risco em dividir a população deste solo, da mesma forma como a Shindo Renmei dividiu os japoneses.
O Brasil e o Japão são dois países que sempre se encontram no palco das grandes potências, seja pela comida produzida, pela tecnologia criada, entre muitos outros artigos exportados, na qual países que se dizem civilizados, sem escrúpulos, se aproveitam. O Brasil e o Japão estão destinados a andarem sempre juntos devido seus acordos entre cidades-irmãs e comércio, e espero que, assim como venceram esse lamentável episódio, possam vencer todas as outras barreiras em ajuda mútua e contínua.
Antes um ser humano, do que um brasileiro ou japonês.” – Veritas Volpe
