Autor: Allan Massie
Tradução: Angela Lobo de Andrade
Editora: Ediouro
Ano: 2000 (Brasil), 1993 (Mundial)

Assim como 1808 de Laurentino Gomes, o livro César traz ao leitor relatos históricos de maneira romantizada. No entanto, nos contos de Laurentino, temos um narrador fora dos eventos contando os fatos, enquanto que César de Allan Massie é narrado por um personagem que vivenciou os acontecimentos contado no livro.

O evento narrado é o clichê que, até mesmo quem não gosta de história, conhece: o assassinato de Júlio César. Ele é o imperador (para alguns) ou ditador (para outros) mais famoso da história! No entanto o clichê se encontra somente no capítulos finais do livro. O leitor passa toda a jornada inicial lendo os relatos de Décimo Júnio Bruto Albino, também conhecido como “ratinho”, que foi um dos mais próximos generais e amigo de Júlio César; como também um dos assassinos que o apunhalariam nos idos de março.

César é narrado em dois períodos históricos

A época em que a história é narrada por Bruto ocorre após o assassinato de César, quando o narrador se encontra preso na Gália. Em cativeiro, ele conta os eventos que culminaram no assassinato do grande ditador e o motivo em aderir na participação do complô.

cesar_analise_assassinato
Assassinato de Júlio César, quadro de Karl von Piloty, ano: 1865

Assim como no livro Carlos Magno, Massie sabe trazer a atmosfera do período narrado para o tempo atual. O leitor é transportado assim que lê as primeiras linhas, vislumbra a arquitetura romana da época e já consegue fazer parte do enredo ainda no início do livro. Apesar de ser uma leitura prazerosa e a tradução pela editora Ediouro ter ficado quase impecável, o leitor necessita de um certo grau de conhecimento em relação aos eventos. Algumas palavras avançadas (e pouco utilizadas) do português assim como termos culturais da própria época romana exigirá, dos leitores menos habituados com a cultura e história de Roma, um dicionário ao seu lado. Não chega a ser um fator que atrapalhe a leitura, mas pode se tornar constante de tempos em tempos surgirem palavras menos conhecidas.

– É um erro julgar a antiguidade pelos padrões de nosso tempo.” – Júnio Bruto, pág: 47

Com capítulos bem estruturados em suas 300 páginas, o único grande problema que o leitor brasileiro pode encontrar é em memorizar a quantidade de personagens que o livro traz, fator que pouco deve impactar quem já conhece sobre o assassinato de Júlio César.

cesar_analise_livros
Allan Massie escreveu diversas outras obras envolvendo os soberanos de Roma. Além dos personagens na imagem acima, também escreveu um livro sobre o terrível Calígula

Diálogos políticos são uma constante no livro

Devemos lembrar que Allan Massie é um escritor conservador. Existem muitas alusões políticas aqui. “César” traz diálogos muito inteligentes, tive de parar diversas vezes a leitura somente para anotar as citações interessantes do livro. Não pude deixar de notar nas entre linhas algumas referências aos ideais de esquerda e direita. A maneira como são narradas esses diálogos com fundo político me parecem ter pendido para a direita, já que somos inclinados a ficar ao lado do personagem que que narra a história (Bruto) e por seguinte, entender por quê age conforme as decisões que toma. Porém, mesmo pendendo para as ideologias de direita, se referindo a democracia como uma capacidade exclusivamente de direita (como se a esquerda não fosse capaz de democracia), Massie acaba super valorizando os ideais de esquerda. O tiro literalmente acertou o pé.

A verdade é, como sempre, complicada: jamais podemos recapturar nossas emoções exatas, e a evocação de eventos passados é sempre colorida pelo o que aconteceu desde então” – Júnio Bruto, pág: 31

Em outras palavras, mesmo tentando trazer a democracia para o lado da direita, a maneira como ocorrem esses diálogos políticos passam a entender que a corrupção sempre será maior na direita, e que pouco será feito para as grandes massas. Durante a leitura, o livro me passou a sensação de que protegia a direita, mas como mencionado a cima, o efeito que causou foi o contrário.

Outro fator interessante é que ocorrem alguns eventos que os personagens atribuem aos deuses e ao sobrenatural; ou pelo menos essa é a explicação que os personagens da época atribuem a esses eventos. São pouquíssimas partes, no entanto acrescentam uma atmosfera única ao livro.

analise_carlos_magno_allan_massie

Júlio César é uma obra interessantíssima. Faz alusões a religião, sexualidade e política, respeitando a época em que é retratado a trama e trazendo diálogos que podemos aplicar aos tempos atuais. Além disso, ficamos próximos aos personagens e somos introduzidos a uma batalha onde o bem e o mal se confundem a todo momento em um tempo onde a moralidade era completamente diferente de como à padronizamos hoje em dia. Altamente recomendado para quem gosta de história, como também para quem procura uma leitura que aborde assuntos sociais e, por alguns momentos, filosóficos.

– A ciência da construção de uma comunidade, ou sua renovação, ou reforma, como qualquer outra ciência experimental não deve ser ensinada a priori. Tão pouco uma experiência breve, digamos, de uma só geração, pode nos instruir nesta ciência prática, porque as consequências das causas morais raramente são imediatas, e o que agora parece desejável, ou até ilusoriamente necessário, pode ser prejudicial em suas operações mais remotas.” – Cícero, pág: 119

Outras citações interessantes

“[…]um cínico é aquele que sabe o preço de tudo e o valor de nada. Sabe o que meu amigo Mecenas respondeu? “Não é bem assim. O cínico sabe o valor de tudo e sabe que não vale o preço pedido.”

” – Octávio para as Bruto, pág: 172 “A dúvida é contagiosa, logo se transforma em pânico.” – Júnio Bruto, pág: 253

[collapse]
Por

Escritor, crítico e redator aficionado por livros e jogos eletrônicos. Conhecido como Veritas Volpe no ambiente artístico e literário.

Escreva um comentário