Autor: Allan Massie
Tradução: Flávia Maria Sanuda
Editora: Ediouro
Ano: 1986 (mundo) 2000 (Brasil)
Augusto foi o senhor do mundo ocidental durante seu reinado do império Romano. Para alguns, ele teria alcançado a apoteose, para a felicidade do professor Robert Langdon de Dan Brown no livro O Símbolo Perdido.
Augusto é um dos imperadores mais conhecidos do mundo antigo, provavelmente ficando para trás somente de Júlio César (este sendo reconhecido como ditador).
As memórias do imperador Augusto
Em 1204 d.c foi realizado a cópia das memórias do imperador Augusto. Essas antigas memórias autobiográficas mencionadas por Suetônio (64 d.c à 141 d.c) pareciam estar para sempre perdidas, até que uma reforma no mosteiro de são Cirilo Metódio, em 1984, trouxe uma surpresa aos historiadores. A autobiografia de Augusto havia sido encontrada.
Este foi o primeiro livro (de 5, ou 6, caso o leitor considere Calígula parte da saga) da coletânea Os Senhores de Roma por Allan Massie. Porém, este é uma tradução atualizada da obra, utilizando uma linguagem acessível para o publico. Todas as conversas possuem gírias atuais da nossa língua cotidiana para entender a ideia, aparte daqueles de uso estritamente romano.
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É complicado falar de Roma. Muitos defendem a democracia hoje, este sistema que busca igualdade e legitimação dentro de seus cidadãos elegíveis em um regime político, porém poucos desconhecem que foi um sistema já tentando anteriormente, e falhado, na antiga Roma. A democracia começou empoderando o estado romano, logo se tornou uma roda de burgueses de grande capital que, ao invés de pagar trabalhadores, começou a utilizar escravos para realizar diversas tarefas. Uma analogia perfeita para as perdas de direitos trabalhistas que ocorrem em massa no mundo todo nos tempos atuais. Quando Júlio César, que de certa maneira, foi o primeiro imperador, assumiu o poder, Roma se transformaria em um império, um sistema que traz riscos muito maiores que o sistema democrático.
O início de uma nova era
É claro que no tempo de Júlio César e conseguinte de seu sobrinho adotado Augusto (Caio Otávio Turino), o império trouxe maravilhas para o mundo romano (caos e genocídio aos vizinhos conquistados), trazendo estabilidade, terminando com as guerras civis que destruíam com soldados e cidadãos romanos nas mãos dos burgueses do senado, e consolidado o poder na mão de poucos governantes. Como todo império, esta transição estava fadada ao problema, já que os demais governantes (após Augusto), começando por Tibério, iniciaram a decadência do império romano que só deteve poder durante tanto tempo devido as riquezas e territórios conquistados desde então.
Porém não houve decadência no tempo de Augusto. Assim como César, Caio era populista; conquistou o povo e consolidou seu poder. Durante seu período ocorreu a tão conhecida Pax Romana, um período de prosperidade para um estado que vivia em guerra.
O poema feito nunca é tão bom quanto o que não foi escrito; e no entanto, tem de ser posto no papel como se fosse. Cada começo contém uma semente de um novo fracasso, mas isso não é desculpa para não começar.” – Virgílio
As memórias de Augusto são divididas em duas sessões que refletem bem sua idade e estado de espírito. Augusto não escondia que era fraco e dependia dos outros para consolidar seu poder. Era um orador, um propagandista e estrategista nato.
Augusto – o imperador Deus, livro 1
A primeira parte é a mais interessante. Augusto narra sua chegada ao poder após a morte de Júlio César, informando dos problemas que teve que superar, como falar em público, os conflitos com Marco Antônio e Lépido, a dependência que tinha com Agripa e Mecenas e as batalhas que teve que enfrentar até consolidar seu poder.
Seria a indiferença, o meu legado?” – Augusto
Esta primeira parte é narrada em um tom mais animador e vivo. No entanto Augusto deixa claro as maldades que cometeu para chegar ao poder do império, desde a caça aos assassinos de Júlio César (que afirmavam tê-lo assassinado para restaurar a republica em Roma) até as proscrições, nome de diversos políticos rivais do imperador e de Marco Antônio que deveriam ser executados para consolidar o poder (entre os proscritos estava o orador Cícero por ordem de Marco Antônio).
O livro porém não é só político. Suas memórias apresentam dramas e problemas sociais da vivência daquela época. Seu relacionamento com Lívia, suas amizades e decepções com outras pessoas. A agonia que foi ter que fazer sua irmã Otávia se casar com Marco Antônio como manobra política.
É notável ver como Augusto considerava a vida pública de extrema importância. Era um patriota doente, assim como Júlio César, e utilizava pessoas como se fossem peças em um jogo de tabuleiro para reestabelecer a ordem em seu país, e esperava que os outros fizessem o mesmo sacrifício. Foi isso que provavelmente fez com que Tibério (outro livro da saga Os Senhores de Roma) ficasse paranoico e indeciso após sua morte, começando assim a queda do império romano.
Augusto – o imperador Deus, livro 2
Esta é a parte onde o livro toma uma atmosfera melancolia e sinistra. Os arrependimentos e os pavores das atrocidades cometidas no passado começam a assolar o imperador Augusto. Na primeira metade do 2° livro, Augusto ainda fala com uma certa razão e parece ter ciência da linha que cruzou para consolidar o império. No entanto, com o advento da idade, a parte final do segundo livro mostra um homem teimoso e aflito com a sucessão ao império.
Augusto passa a perder a distinção nos capítulos finais, devido a idade e as inúmeras tristezas que passa a sentir com a morte de diversos entes queridos, entre muito deles netos e familiares queridos que poderiam suceder ao trono. Aqui o imperador passa a perder a razão e passamos a ler um texto de um velho teimoso, que pensa que todos devem obedecer ao seu comando pelo bem de Roma. Toda vez que lhe é negado um pedido, ele aproveita de suas memórias para maldizer esta pessoa.
Mas agora não existe consolo em palavras, por mais bem escrito que esteja o texto.” – Augusto
Augusto – o imperador deus mostra bem como o homem passa a perder o controle, principalmente, utilizando as palavras de Tibério, quando “se controla um corpo tão grande quanto o estado de Roma”. Augusto não consolidou, em sua juventude, o poder para enriquecer; fez isso para tentar salvar Roma. No entanto, no processo, não só destruiu sua própria sanidade, quanto a vida de inúmeras pessoas, entre parentes e amigos, para trazer a tão sonhada paz romana.
Os que os Deuses amam morrem jovens, e eu estou velho.” – Augusto – pág 340