Autor: Giulio Leoni
Tradução: Gian Bruno Grosso
Distribuidora: Planeta
Ano: 2009 (Brasil), 2006 (Itália)
A última aventura protagonizada por Dante Alighieri na saga de livros realizada pelo escritor Giulio Leoni não decepciona. Como se Os Crimes do Mosaico e Os Crimes da Luz já não houvessem sido aventuras misteriosas, atmosféricas e épicas o suficiente, A Cruzada das Trevas também consegue realizar tal tarefa. Diversas críticas e comparações de como o mundo era no tempo do antigo império romano e como passou a ficar com o domínio do cristianismo e acensão do Papa também fazem parte desta obra.
No entanto, nos encontramos fora dos muros da amada cidade de Dante, Florença, e nos encontramos na Urbe (como era conhecida a cidade de Roma, na época), diferente das duas últimas aventuras. Dante e mais dois representantes da cidade de Florença, os messeres Maso e Corazza, devem ir a Roma responder ao próprio, tirano e arrogante, Papa Bonifácio, para dar uma certa explicação que, para evitar Spoilers (mesmo esse fato não tendo muita importância) não mencionarei aqui.
O ponto inicial da partida do poeta e seus companheiros até Roma é envolto em uma atmosfera obscura. Passam em quartos, hotéis e tavernas escuras, diálogos em sussurros e uma jornada perigosa de barco em meio a uma grande chuva. Em curtas palavras, é de tirar o fôlego. O Livro, assim como Os Crimes da Luz, possui uma introdução que prende o leitor com seus perigos e mistérios. Não apenas nas páginas inicias, a atmosfera, apesar de ficar menos obscura, retem o clima de mistério. No entanto, ao chegar à metade do livro (a edição da editora Planeta possui 400 páginas) a história começa a arremessar alguns pontos desnecessários, que parecem surgir com o propósito de acrescentar páginas ao invés de trazer informações interessantes.
É como se Giulio Leoni tivesse quebrado algumas informações importantes em alguns pedaços e separados em situações que se prologam de mais no meio do enredo. Algumas dessas situações, por exemplo, envolve o autor da Divina Comédia a perambular ao lado de uma criança em busca de um roupa para se encontrar com o Papa, já que suas vestes ficaram surradas pela viagem.
Apesar de situações maçantes aparecerem de vez em outra, pouco impacto tem no grande mistério que logo capta o interesse de Dante. Neste momento, o autor da Divina Comédia se torna um detetive, além de poeta, assim como em suas aventuras anteriores. Mortes de mulheres marginalizadas pela sociedade assolam a histórica cidade de Roma, mas tanto o Papa quanto o governo local pouco se interessam por estes fatos, o que faz com que o poeta se aproxime de um personagem um tanto arrogante, de cargo importante e que parece se apegar muito ao protagonista, o decurião Canapa.
Viajar pela Urbe da época é um tanto mágico nas palavras de Giulio Leoni e muito bem convertidos para o português por Gian Bruno. Por horas, as magníficas construções do império romano que, agora (na época do livro), estão em ruínas, é lindo e atmosférico, assim como também pode ser podre e fétido, resultado dos atrasos nos avanços sociais e tecnológicos que a era das trevas comandado pela igreja católica trouxe ao ocidente de 1300. É tão bem retratado que algumas vezes o leitor pode se perguntar se é o poeta, ou então ele mesmo a percorrer as ruas de Roma.
Enquanto que nos livros anteriores de Leoni focavam mais no mistério e nos problemas sociais da cidade, no terceiro livro (4º livro na Itália) do autor, tendo Dante como protagonista, parece realizar diversas referências e críticas ao domínio católico. As comparações são feitas de maneira interessante, quando Dante compara a própria crença monoteísta com a dos diversos deuses da antiga Roma. Em uma frase na qual compara a estrutura da cidade nova de Roma dominada pelo papa Bonifácio em cima da antiga, o poeta pensa:
O que conhecera então a Roma, onde não um só deus, mas todo o Olimpo fora expulso pelo Nazareno? …Entretanto [tempo do império Romano] a cidade parecia resistir, como se justamente daquela contínua destruição de homens e pedras nascesse a força que a mantinha unida, um lugar onde ninguém era suficientemente forte para prevalecer ou tão fraco para sucumbir.
A contra-posição ao poder unificado e absoluto de Bonifácio em Roma, comparado a dos antigos césares e senadores romanos e seu poder mais dividido, mesmo quando tentavam buscar todo o poder só para si, é uma forte crítica, apesar de não ser uma regra específica, apenas colocando em cheque a cidade de Roma e suas facções de influência ao longo do tempo.
Qual o veredicto do livro A Cruzada das Trevas? Vale a pena ler?
Mesmo não possuindo a presença que personagens de Os Crimes do Mosaico marcaram, ou a máxima obscuridade no mistério alcançado no livro Os Crimes da Luz, A Cruzada das Trevas continua sendo uma aventura digna de ser lida, com um mistério prazeroso para quem acompanhou a saga, ou apenas procura um bom mistério medieval para passar o tempo.
Impossibilitados de conhecer o autor da Divina Comédia em pessoa pelo grande distanciamento do tempo, só podemos conjeturar seus pensamentos sobre o mundo e a fé cristã através de seus livros. O autor Giulio Leoni, ao final de “A Cruzada das Trevas”, realizou um bom trabalho em abalar a fé do personagem fictício baseado no real (Dante Alighieri) a ponto de escrever, mesmo sendo cristão, sua grande alegoria, indo contra todos os ensinamentos da igreja papal. Mesmo os relatos reais, na qual demonstram que Dante não era um entusiasta do poder católico da época, Leoni deixou o personagem com dúvidas muito mais profundas, até mesmo em relação a existência de Deus. O final pode ter sido um pouco anti climático, mas tenho que tirar meu chapéu para a sacada que o autor teve com seu personagem.
Frases do livro:
Não sei… eu tinha ideias então. Mas passou tanto tempo. O destino empurrou meu barco para outras margens. – Dante Alighieri, página: 119
Sou apenas a humilde voz de outros, bem mais dignos do que eu. – Kansbar Ibn, página: 103
Glossário:
- Urbe: como era conhecido Roma, a capital Italiana e papal da época,
- Messere: “Senhor”, em Italiano,
- Nazareno: denominação judaica aos primeiros seguidores do cristianismo,
- Monoteísta: indivíduo que crê em um único Deus,
- Olimpo: lugar onde habitam os deuses greco-latinos.
Obs: existem outros dois livros lançados por Leoni desta saga na Itália. O primeiro lançado no ano 2000, denominado I Delliti della Medusa (O crime da Medusa), e o último lançado em 2014, chamado de La Sindone del Diavolo (A Síndrome do Diabo). Infelizmente nunca foram lançados no Brasil. O Café com Leitura possui o primeiro lançado em 2000 em italiano. Entramos em contato com a editora Planeta, para averiguar se haviam planos de lançar as duas obras no Brasil, há qual obtivemos a seguinte resposta (clique na imagem para aumentar):