Título Original: Carmilla
Escritor: Sheridan Le Fanu
Tradução: Martha Argel e Humberto Moura Neto
Editora: Via Leitura
Ano: 1872 (Mundo) 2020 (edição brasileira desta análise)
Criada em 1872 e passando por diversas mídias até os tempos atuais (inclusive na série animada Castlevania da Netflix), Carmilla é uma personagem muito antiga.
Para se ter ideia, a Vampira de Karnstein foi criada 25 anos antes de Drácula, o famoso conde criado por Bram Stoker. Coincidentemente o escritor de Carmila, Sheridan Le Fanu, era irlandês também.
Mas o que falar desta Vampira que já assistimos em diversos filmes e já enfrentamos em diversos jogos eletrônicos?
Carmilla – Um conto de horror da era Vitoriana
Le Fanu entrou na onda de histeria coletiva do medo vampirístico da Europa para publicar seu livro. A Inglaterra Vitoriana conseguiu trazer muitas obras deste tipo, não só vampiros, mas também outros monstros, como Frankenstein de Mary Shelley.
Apesar de não ser um conto narrado de forma epistolar como Drácula, a abertura é com uma carta anexada por um personagem que não surge na história em si, mas sim como algum espectador de fora. E já da segunda página em diante temos o conto narrado pela protagonista deste conto gótico, Laura.
Vivendo em um Schloss (castelo em alemão) na Estíria (um estado da Áustria), Laura possui uma vida pacata se comparada às jovens garotas das capitais europeias, cidades estas que são recheadas de bailes e opulência.
Morando com seu pai e os empregados do castelo, sua vida é feliz, porém sem muita novidade. Isso até acontecer um evento que mudaria a vida de todos do castelo, a chegada de Carmilla.
Carmilla, acompanhada de sua mãe na carruagem, sofre um acidente na estrada próximo ao Scholoss onde vive Laura, e como aparentemente sua mãe tem um compromisso indispensável em uma cidade não revelada, Carmilla fica aos cuidados de Laura e seu pai.
A partir daí começa uma trama de aventura e suspense onde cada dia ocorre algum evento mais misterioso que o outro, afetando todos os integrantes do castelo.
Uma vampira culta e discreta
Diferente de Drácula, que em muitos momentos literalmente aterroriza os personagens, Carmilla é mais discreta. Esta engenhosa Vampira cria um laço de amizade muito grande com suas vítimas, e sua sede pelo sangue escolhido transforma sua vítima em um objeto de amor puro ao olhar dela.
Isso traz uma diferença grande em relação aos outros vampiros. Carmilla realmente ama a vítima que tem que matar. Isso foi provável objeto de polêmica na época visto que, apesar de não ter nenhuma cena que indique um relacionamento, diálogos que puxam para o lado do relacionamento homoafetivo são visivelmente presentes.
O que mais me chamou a atenção em Carmilla foi o desapego do “herói” que muitos contos possuíam na época. Laura é ingênua, mas não boba, devido ao fato de não ter uma vida social frenética. Isso transforma a personagem e seu crescimento ao longo do livro muito orgânico.
Os laços fortes de amizade e confiança estão presentes no livro também, já que mesmo com todos os seus poderes e encantamentos, Carmilla não consegue quebrar a confiança de Laura com seu pai, madame Perrodon e mademoiselle DeLafontaine, o que de certa maneira lembra Jonathan Hacker e seus amigos Dr. Seward e Quincey Morris em Drácula.
Além disso, o personagem Barão Vordenburg, que surge ao final do livro para enfrentar Carmilla (também conhecida como Mircalla ou Millarca) pode muito bem ter sido inspiração para o personagem Van Helsing de Drácula.
Poderes além Drácula
Se você já leu Drácula, ou no mínimo jogou Castlevania – Symphony of the Night, sabe que a habilidade de se transformar em morcego, lobo ou névoa não é novidade. No entanto Carmilla já possuía esses poderes antes do cruel conde.
Carmilla pode se transformar em uma fera (que me remeteu a uma pantera, com a descrição que é passada no livro), como também, ao que tudo indica, em névoa, já que pode atravessar portas e janelas, mesmo elas estando trancadas do lado de fora.
Já seus poderes de encantar nossa adorada Laura (dentre outras vítimas) parece vir de seus traços humanos, e não sobrenaturais. Com sua cultura, educação e beleza, Carmilla parece convencer os outros de que seus motivos de aproximação e amizade são verdadeiros e inofensivos.
Além disso, sua forma física, principalmente durante o dia, passa a sensação de fragilidade, principalmente quando faz suas caminhadas com Laura ao redor do castelo. Já a noite Carmilla ganha um novo vigor, e são nesses períodos que a história fica mais empolgante.
Sob luz de velas nos corredores e aposentos do castelo à névoa das estradas que levam ao Schloss, a atmosfera de Carmilla suga para dentro do livro o leitor com uma facilidade incrível.
Mesmo com palavras antigas para trazer a sensação de arcaico e do gótico, a leitura é fácil e acessível, com notas de rodapé para as palavras estrangeiras (na edição da Via Leitura). Se você, meu amado leitor, deseja entrar em um mundo misterioso com uma trama de suspense sensacional, Carmilla pode ser o livro que você está aguardando. Uma pena que suas poucas páginas transformam a leitura deste conto em um suspense rápido, com um gostinho de “Quero Mais” no final.
Veja no Desabafo Cafeínado o que achamos de Carmilla na série animada do Netflix Castlevania!